O ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou nesta sexta-feira (18) a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição e a forma como vêm sendo conduzidos os trabalhos por parte da equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Já ganhou, cala a boca, vai trabalhar, construir um negócio legal. O desafio é grande, mas a oportunidade é maior", afirmou ele durante um evento sobre os 30 anos da Secretaria de Política Econômica, que faz parte do Ministério da Economia.
"Se fizer menos barulho e trabalhar um pouquinho mais com a cabeça, e menos com a mentira, talvez possa ser um bom governo. Só depende de não mentir. E de outras coisas também", disse.
Recentemente, figuras importantes do mercado reclamaram de declarações de Lula contestando exigências fiscais em nome do combate às desigualdades sociais.
Durante a COP27, a conferência do clima das Nações Unidas, o presidente eleito reforçou o tom e defendeu furar o teto de gastos para conseguir financiar programas sociais. "Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência", disse Lula, completando que a flutuação dos índices não acontece "por causa das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores".
Em resposta, os economistas Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan assinaram uma carta criticando a postura de Lula.
No evento desta sexta, Guedes estava com o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sacshida, ex-secretário de Política Econômica, e servidores.
O ministro da Economia disse que a PEC da Transição causou confusão. "Você vê a confusão que é um estouro, fazer uma PEC fora do teto, sem fonte de financiamento". Segundo ele, a proposta vai acabar servindo para financiar obras.
Ele defendeu o aumento de mais R$ 200, totalizando um auxílio de R$ 600, mas desde que com discriminação da fonte dos recursos.
"Disparamos o maior programa social que já houve, com responsabilidade fiscal. Que historinha é essa de conflito social com fiscal? Isso é ignorância, isso demonstra incapacidade técnica de resolver [o problema]", completou.
Apesar das declarações, Guedes também já participou da elaboração de diferentes medidas que acabaram furando o teto de gastos. Segundo levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), feito a pedido da BBC News Brasil, os gastos do governo Bolsonaro acima do teto somam R$ 794,9 bilhões de 2019 a 2022.
Esse valor representa a soma de autorizações que a atual gestão obteve no Congresso para gastar acima do limite constitucional e outras manobras que driblaram o teto, como o adiamento do pagamento de precatórios (dívidas do governo reconhecidas judicialmente) e a mudança do cálculo para definir o teto em 2022.
A maior parte dos quase R$ 800 bilhões acima do limite constitucional gastos pelo atual governo foi empregada em 2020, ano em que o Congresso liberou amplamente as despesas devido à pandemia de Covid-19. Mas a flexibilização da regra começou já no primeiro ano de governo e continuou após o arrefecimento da pandemia. Neste último ano, os furos no teto impulsionaram a expansão de benefícios sociais pouco antes da eleição, em uma ação que tentava impulsionar a reeleição de Bolsonaro, na visão de Borges.
Foram R$ 53,6 bilhões em 2019, R$ 507,9 bilhões em 2020, R$ 117,2 bilhões em 2021 e serão R$ 116,2 bilhões neste ano, segundo os cálculos do economista.
Após o resultado da disputa presidencial, o governo eleito decidiu apresentar uma PEC diante da falta de espaço abaixo do teto em 2023 para despesas como o Auxílio Brasil de R$ 600. A medida, que permite quase R$ 200 bilhões fora do limite, causou nervosismo no mercado em meio ao receio de descontrole das contas públicas.
Como mostrou a Folha, o governo eleito pode ceder em pontos da PEC de Transição, mas não abre mão que o aumento de gastos tenha validade de quatro anos –todo o mandato de Lula.
Em meio às reações do mercado, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), disse na noite de quinta-feira (17) que o futuro governo vai trabalhar em um plano para cortar despesas e buscar a retomada do superávit primário para reduzir o endividamento público, mas que isso levará tempo.
"Haverá superávit primário, haverá redução da dívida, mas isso não se faz em 24 horas. Isso se faz com o tempo", afirmou a um grupo de jornalistas durante uma pausa nos trabalhos da transição de governo, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil).
O vice eleito, que também coordena a transição de governo, prometeu a apresentação de uma espécie de "plano de voo" com as futuras ações —o que inclui cortes de despesas e aprovação de uma reforma tributária "no menor espaço possível de tempo" para buscar simplificação e impulsionar o crescimento.
Ainda em um aceno do novo governo à responsabilidade fiscal, o ex-ministro Aloizio Mercadante, que coordena os grupos técnicos da transição de governo, indicou que isenções fiscais estão sob análise e essa pode ser uma maneira de elevar as receitas futuras da administração federal, sem aumento da carga tributária.
Durante o evento, Paulo Guedes também aproveitou para dizer que espera que o próximo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) seja o brasileiro Ilan Goldfajn.
"Pela primeira vez, um presidente de um grande banco internacional é um brasileiro. E neste domingo, acho que vamos fazer o segundo, o Ilan no BID", afirmou. Ele se referia a Marcos Troyjo, que assumiu em 2020 a presidência do NDB, o banco de desenvolvimento dos Brics.
Goldfajn é ex-presidente do Banco Central e foi indicado para concorrer ao cargo internacional pelo atual governo, o que gerou insatisfação por parte do PT. O partido reclamou que Bolsonaro lançou a candidatura do brasileiro às vésperas do segundo turno.
"O Bolsonaro lançou uma candidatura quando estava próximo ao segundo turno, podendo perder, e perdeu. E quis impor um nome sem buscar apoio de outros países", disse Guido Mantega, então ainda na equipe de transição do governo Lula, à Folha, pouco após as eleições.
Mantega chegou a viajar para os Estados Unidos para tentar adiar a data da escolha do novo presidente do banco.
De acordo com ele, ministros e ex-ministros latino-americanos entraram em contato dizendo estar desconfortáveis com a questão. "Se você não tivesse outros candidatos, seria sinal que ele poderia ser favorito. Mas é remota a possibilidade de ele ser aprovado, então a gente quis prorrogar", afirmou Mantega à época.
O BID, no entanto, não cedeu a pressão e manteve a data do pleito para o próximo domingo (20).
- “Que historinha é essa de conflito social e fiscal?”, questiona Guedes
O ministro da Economia, Paulo Guedes, questionou um suposto conflito entre pagamento de benefícios sociais e responsabilidade fiscal por parte do governo. O ministro participou de uma palestra na comemoração de 30 anos da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, nesta sexta-feira (18).
“Disparamos o maior programa social que já houve e com responsabilidade fiscal, então que historinha é essa de conflito social e fiscal? Não acreditem nas narrativas políticas, acreditem nos números. Se fizer menos barulho e trabalhar mais com a cabeça e menos com a mentira, talvez possa ser um bom governo. Só depende de não mentir. Depende de outras coisas também”, afirmou o ministro.
O Chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos do Ministério da Economia, Rogério Boueri, também criticou o discurso de que responsabilidade fiscal e social são incompatíveis.
“Então, responsabilidade fiscal não é incompatível com desenvolvimento social do país, muito pelo contrário, o que pode comprometer o desenvolvimento social do país é nós perdermos o rumo na política fiscal, começarmos a não conseguir mais rolar nossa dívida a taxas aceitáveis e cada vez mais descarrilhar a economia brasileira”, afirmou Boueri.
Durante a mesa de abertura do evento, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, demonstrou insatisfação com a comparação entre o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, em relação à fonte dos recursos do Auxílio Brasil.
“A nossa política econômica sempre se pautou por um modelo de equilibro geral. Toda vez que aumentávamos os gastos, no momento, ou travamos o aumento do gasto futuro, ou compensávamos via arrecadação. Então, você não pode pegar e falar assim: ‘o governo da PEC de Transição vai gastar o mesmo que o governo Bolsonaro gastaria, então não pode reclamar’”, errado”, afirmou o ministro.
Fonte: CNN - Folha