Cultura

Papa em Asti: Jesus, Rei que nos abraça, mesmo com as nossas misérias





Na homilia da missa na Catedral de Asti, pela Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, o Papa enfatizou que da cruz Jesus abraça todos, com pobrezas, fragilidades e misérias. Entretanto, nos pede que o chamemos pelo nome e que sujemos nossas mãos com ele, não como meros espectadores, mas "envolvidos", com coragem de olhar para nós mesmos e pelos sofrimentos do mundo, "fazendo-nos servos para reinar com Ele".

 

O abraço do Papa à comunidade de Asti, no norte da Itália, veio na manhã de domingo (20) na Catedral de Nossa Senhora da Assunção pela Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Após percorrer a cidade e saudar de perto as pessoas a bordo do papa-móvel, Francisco deu início ao seu segundo e último dia na região do Piemonte, terras em que o seu pai emigrou para a Argentina e onde veio "reencontrar o sabor das raízes", disse o Pontífice em homilia, ao fazer referência ao Evangelho de Lucas 23, 35-43 que "nos leva às raízes da fé" encontradas no "terreno árido do Calvário".

 

O nosso Rei de braços abertos

 

O Papa, então, convidou a fixar "o nosso olhar n’Ele, no Crucificado", despido na cruz, que ganhou a falsa imagem de realeza através de um letreiro na cruz. Mas, observando Jesus, alertou Francisco, "inverte-se a ideia que temos de um rei", "vemos que é completamente diferente. Não está sentado num trono confortável" e "comporta-Se como servo cravado na cruz pelos poderosos", "despojado de tudo, mas rico de amor":

 

“Do trono da cruz, já não ensina as multidões com a palavra, nem levanta a mão para ensinar; faz mais: não aponta o dedo contra ninguém, mas abre os braços a todos. Assim Se manifesta o nosso Rei: de braços abertos – a brasa aduerte.”

 

E só entrando no seu abraço, continuou Francisco, é que compreendemos que Deus Se deixou levar até o paradoxo da cruz para abraçar tudo em nós: a nossa morte, o nosso sofrimento, as nossas pobrezas, as nossas fragilidades.

 

"Eis o nosso Rei, Rei do universo, porque atravessou os confins mais remotos do humano, entrou nos buracos negros do ódio e do abandono para iluminar cada vida e abraçar toda a realidade. Irmãos, irmãs, tal é o Rei que hoje festejamos! Não é fácil de entender, mas é o nosso Rei."

 

Esse é o modelo a seguir e a celebrar, acrescentou o Papa, por isso o convite para, "com frequência", nos colocarmos diante do Crucificado e dar a possibilidade de "nos deixarmos amar por Ele":

 

“Mas Senhor, é verdade? Com as minhas misérias, me ama assim? Cada um neste momento pense em sua própria pobreza: 'Mas, me ama com estas pobrezas espirituais que eu tenho, com estas limitações?' E Ele sorri e nos faz perceber que nos ama e deu Sua vida por mim. Pensemos um pouco sobre nossas limitações, mesmo as coisas boas, e Ele nos ama como nós somos, como somos agora.”

 

"E então compreendemos que não temos um deus desconhecido, lá em cima nos céus, poderoso e distante, não; um Deus próximo, a proximidade é o estilo de Deus: a proximidade, com ternura e misericórdia. Este é o estilo de Deus. Não tem outro estilo. Perto, misericordioso e terno. Terno e compassivo, cujos braços abertos consolam e acariciam. Eis o nosso Rei!"

 

O contágio letal da indiferença

 

Depois de termos contemplado Jesus na cruz, questionou o Papa, o que mais podemos fazer? Ser apenas um espectador - aquela grande maioria curiosa e indiferente que só observa e julga ao "assistir ao espetáculo cruento do fim inglorioso de Cristo"; ou quem se aventura e se envolve. O primeiro grupo, alertou o Pontífice, faz parte de uma "onda do mal", que "é contagiosa", feito uma "doença contagiosa" que acaba nos tornando em "cristãos de fachada, que dizem acreditar em Deus e querer a paz, mas não rezam nem cuidam do próximo".

 

É o contágio letal da indiferença. Uma doença feia é a indiferença, sabe? 'Isto não cabe a mim, não cabe a mim...' indiferença para com Jesus e indiferença também para com os doentes, para com os pobres, para com os miseráveis da terra. Eu gosto de perguntar às pessoas, e peço a cada um de vocês; eu sei que cada um de vocês dá esmola aos pobres, e eu lhes pergunto: 'Quando dá esmola aos pobres, olha nos olhos deles? Você é capaz de olhar nos olhos deles? Daquele pobre homem ou mulher que lhe pede esmola? Quando você dá esmola aos pobres, você joga a moeda no chão ou toca a mão deles? Você é capaz de tocar uma miséria humana?' Cada pessoa então faz a resposta hoje. Aquelas pessoas eram indiferentes. Aquelas pessoas falam de Jesus, mas não se sintonizam com Jesus. E esse é o contágio letal da indiferença: que cria distância com a miséria.

 

A onda do bem dos envolvidos

 

Entretanto, entre muitos espetadores no território do Calvário, continuou o Papa, há quem se aventura e envolve. E o Evangelho fala "do bom ladrão para nos convidar a vencer o mal, deixando de ser espetadores. E de onde havemos de começar? Da confidência, de chamar a Deus pelo nome", indicou Francisco, sem maquiagens:

 

"Por favor, não façam a espiritualidade de maquiagem: ela é entediante. Diante de Deus: sabão e água, somente. Sem maquiagem, a alma como ela é. E dali vem a salvação."

 

“Irmãos, irmãs, hoje o nosso Rei olha-nos da cruz a brasa aduerte. Cabe a nós escolher se sermos espectadores ou envolvidos. Vemos as crises de hoje, o declínio da fé, a falta de participação... E o que fazemos? Limitamo-nos a fazer teorias, a criticar, ou arregaçamos as mangas, comprometemo-nos na vida, passamos do «se» das desculpas ao «sim» da oração e do serviço? Todos pensamos saber o que está errado na sociedade, no mundo, até na Igreja, mas depois… fazemos alguma coisa? Metemos as mãos na massa, como o nosso Deus pregado no madeiro, ou ficamos a olhar com as mãos nos bolsos?”

 

- Papa em Asti: como cidadão honorário, saúda os fiéis pelas ruas

Em seu segundo dia na região de Asti, Francisco recebeu a cidadania honorária pelo prefeito Maurizio Rasero. Para chegar na catedral para a missa, percorreu 1,7 km pelo centro da cidade de papa-móvel, onde mais de 20 mil pessoas haviam chegado.

O segundo dia do Papa Francisco em Asti neste domingo (20), o dia público, após o período privado de sábado (19) reservado aos parentes e uma visita aos idosos em uma casa de repouso, começou, na cúria do episcopado onde era hóspede, com um encontro com o prefeito de Asti e o presidente da Região do Piemonte, Alberto Cirio, e outros representantes de instituições locais.

O prefeito, Maurizio Rasero, conferiu ao Papa a cidadania honorária "por seu forte compromisso com a paz no mundo e suas mensagens diárias de solidariedade e fraternidade contra todas as formas de discriminação", valores também consagrados no Estatuto da Cidade de Asti, e por seus fortes laços com o território de Asti e com o Piemonte, testemunhados pela continuidade dos contatos com sua família e as instituições, simbolicamente representados pela pequena bolsa de terra do local retirada de Bricco Marmorito.

Em papa-móvel desde a cúria até a catedral

Após esse primeiro momento público, Francisco iniciou o trajeto no papa-móvel entre as pessoas que desde as primeiras horas da manhã  estavam lotando o centro de Asti, inclusive de um grupo de 10 brasileiros. O Papa percorreu 1,7 quilômetros da cúria até a Piazza Catedral, onde deficientes e doentes o esperavam.

O Pontífice chegou à catedral por volta das 10h30 para celebrar a missa pela Solenidade do Cristo Rei do Universo, no Dia Mundial da Juventude em nível diocesano, e depois recitar o Angelus. Cerca de 25 mil pessoas estão na cidade, das quais 6 mil só na região da catedral.

-Papa: construir fraternidade em tempos de "carestia de paz", da Ucrânia a Gaza

No Angelus da Catedral de Asti neste domingo (20), o Papa Francisco voltou a recordar o drama das guerras, em particular a martirizada Ucrânia, e as vítimas do incêndio entre os refugiados em Gaza. Em particular, aos jovens, que na Solenidade de Cristo Rei celebram a Jornada Mundial da Juventude em nível diocesano, pede que não sejam escravos dos celulares; não conformistas, mas transgressores, construindo comunidades fraternas.

O nosso tempo está vivendo uma carestia de paz: assim o Papa no Angelus deste domingo (20), recitado na Catedral de Asti ao final da missa, convidou todos a se tornarem construtores de fraternidade. Francisco também pediu orações pela martirizada Ucrânia e pelas vítimas do incêndio no campo de refugiados em Gaza.

“Estamos vivendo uma carestia de paz, pensemos a tantos lugares do mundo flagelados pela guerra, especialmente a Ucrânia martirizada. Vamos trabalhar e continuar a rezar pela paz!”

O pesar pelas vítimas em Gaza

Rezemos também pelas famílias das vítimas do grave incêndio ocorrido nos últimos dias em um campo de refugiados em Gaza, na Palestina, onde também morreram várias crianças. Que o Senhor receba no céu aqueles que perderam suas vidas e console aquela população tão provada por anos de conflito.

O convite aos jovens

Aos jovens, na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, que celebram a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em nível diocesano e estiveram presentes na cerimônia, vindos de diferentes partes da diocese, Francisco chamou a atenção para o tema proposto para a reflexão deste dia: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1:39). O mesmo que será tema da próxima JMJ a ser realizada em 2023 em Lisboa, em Portugal. 

A Nossa Senhora fez isso quando era jovem, e nos diz que o segredo para permanecer jovem está precisamente nesses dois verbos, levantar-se e partir. Eu gosto de pensar em Nossa Senhora que foi com pressa, caminhou com pressa. E muitas vezes eu rezo, a Nossa Senhora: 'mas, te apresse para resolver este problema'. Levantar e partir: não ficar parado, pensando em si mesmo, desperdiçando a vida seguindo o conforto ou a última moda, mas apontar para o Alto, colocar-se em caminho, sair dos próprios medos para estender a mão a quem precisa.

Daí o forte convite aos jovens:

“E hoje precisamos de jovens que sejam verdadeiramente "transgressores", não conformistas, que não sejam escravos de um celular, mas que mudem o mundo como Maria, levando Jesus aos outros, cuidando dos outros, construindo comunidades fraternas com outros, realizando sonhos de paz!”

 

- Papa se despede de Asti com centenas de crianças e jovens no estádio municipal

A despedida de mais uma visita pastoral foi no Estádio Municipal Censin Bosia, quando saudou as crianças e os jovens de dentro do carro e embarcou no helicóptero, que já está a caminho do Vaticano.

O Papa Francisco se despediu oficialmente da região que abriga as suas raízes familiares na tarde deste domingo (20) quando mais de mil crianças e adolescentes com seus pais e professores, provenientes das escolas e das paróquias, fizeram um momento especial organizado pela Diocese de Asti, no Estádio Municipal Censin Bosia. A saudação, em caráter não oficial, aconteceu antes de partir com o helicóptero do local.

Renovar raízes da fé

Ao final da missa na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, porém, durante a manhã, houve a troca oficial de mensagens de agradecimento e despedida. Da parte de dom Marco Pastraro, bispo de Asti, a gratidão pela visita pastoral "tão esperada" em nome de toda a comunidade. E o prelado acrescentou, renovando o convite para voltar quando quiser "à sua casa":

"Quando foi eleito Papa, o senhor disse que foi pego 'quase no fim do mundo'. Hoje, gostaríamos de pensar que Asti, a terra das suas raízes familiares, possa ser o começo do mundo. E realmente é, porque aqui com o senhor renovamos as raízes da nossa fé. A Eucaristia, a Palavra de Deus, o ministério petrino, a fraternidade que faz de nós uma comunidade, a presença dos pobres - a carne de Cristo - tudo nos fala da presença de Jesus entre nós. Daquele Jesus com o qual a alegria sempre nasce e renasce. Aqui, desde o início do mundo, renovamos hoje o nosso compromisso missionário de levar a alegria do Evangelho até o fim do mundo, a todas as periferias existenciais que encontramos."

O Papa Francisco, ao receber o agradecimento, comentou, brincando, que o bispo foi corajoso em considerar Asti o início do mundo. E, já se sentindo em casa, enviou a sua mensagem de gratidão à toda a comunidade local e também da região do Piemonte, entre autoridades civis e religiosas, finalizando com palavras em dialeto:

“A todos vocês eu gostaria de dizer que fiquei feliz em conhecê-los! [a la fame propri piasi’ encuntreve!]; e desejar-lhes: fiquem bem [ch'a staga bin!].”

Andressa Collet

Fonte: Vatican News