O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que o novo arcabouço fiscal, apresentado nesta quinta-feira (30) pelo Ministério da Fazenda, não afeta diretamente a política monetária do país, mas pode alterar as expectativas de mercado, fator que impacta a decisão do BC sobre os juros.
Segundo Campo Neto, o processo de decisão do BC não tem nenhum “componente político” e a manutenção da taxa básica de juros, a Selic, em 13,75% ao ano foi técnica.
O Banco Central divulgou hoje o seu Relatório de Inflação, seguido de coletiva de imprensa com o presidente do BC.
Questionado sobre o novo arcabouço, Campos Neto disse que o Banco Central ainda não teve acesso a todos os parâmetros da medida, mas que vai analisar o que foi anunciado. “O importante para a gente é como incorporar isso nas nossas projeções. Não fazemos [política] fiscal, não é um trabalho do BC. Incorporamos o fiscal nas nossas expectativas, na função e reação que o BC tem. Lembrando que temos um regime que se baseia em câmbio flutuante, em um sistema de meta e que tem âncora fiscal”, explicou.
Na ata do Copom divulgada esta semana, o BC reforçou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal, pois a primeira reage às expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos. Por outro lado, destacou também que “um arcabouço fiscal sólido e crível” pode ajudar no processo de desinflação.
“O comitê destaca que a materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos”, diz o documento.
Para Campo Neto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está “muito bem intencionado” e tem uma luta dura pela frente para equilibrar as contas públicas.
“Quando olhamos o arcabouço, ainda sem a calibragem dos parâmetros, ele parecia bastante razoável”, disse. “A gente reconhece o esforço que está sendo feito pelo ministro da Fazenda, em um projeto que é duro, em um governo que tem bastante divisões e acho que denota claramente uma preocupação com a trajetória de dívida”, completou o presidente do BC.
A Selic é o principal instrumento usado pelo BC para alcançar a meta de inflação porque a taxa causa reflexos nos preços, já que juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança, evitando a demanda aquecida. Em março de 2021, o órgão iniciou um ciclo de aperto monetário, em meio à alta dos preços de alimentos, de energia e de combustíveis, elevando a taxa básica ao seu maior nível desde janeiro de 2017, quando também estava em 13,75% ao ano.
A decisão de manutenção da Selic neste patamar vem sendo criticada pelo governo federal, que cobra uma redução para impulsionar o crescimento da economia. Segundo Campo Neto, a relação do BC com a Fazenda é boa e o órgão tenta comunicar “da melhor forma possível” os parâmetros sobre a política monetária.
“Precisamos explicar para a sociedade que esse trabalho técnico tem um custo a curto prazo, mas que não fazê-lo tem um custo maior, e mostrar as vantagens de ter uma inflação sobre controle, em específico do ponto de vista social”, disse. “E por isso que a autonomia é importante para o Banco Central tomar essa decisão de coisas que têm custo alto a curto prazo para não ter que incorrer em custo muito maior de longo prazo, que seria muito mais danoso para a sociedade”, completou.
Segundo o presidente do BC, países que hoje estão com inflação alta apresentam aumento da pobreza extrema e queda dos índices de consumo e de confiança do consumidor.
- BC aumenta projeção de crescimento da economia de 1% para 1,2%
O Banco Central (BC) elevou a projeção para o crescimento da economia este ano. A estimativa para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país) passou de 1% para 1,2%. A projeção consta do Relatório de Inflação, publicação trimestral do BC, divulgado hoje (30).
“A revisão moderada reflete, especialmente, surpresas positivas em alguns componentes do setor de serviços no quarto trimestre de 2022 − deixando carregamento estatístico do setor para 2023 ligeiramente maior do que o anteriormente esperado −, melhora nos prognósticos para a indústria extrativa e os primeiros indicadores do primeiro bimestre de 2023”, explicou o BC, que também espera “contribuição relevante” do setor agropecuário no crescimento do ano.
Em 2022, a economia brasileira cresceu 2,9%, após alta de 5% em 2021 e recuo de 3,3% em 2020. O setor de serviços foi o que mais contribuiu para o crescimento do PIB no ano passado. Segundo o BC, os segmentos do setor foram severamente afetados pela pandemia de covid-19, inicialmente, mas desde então apresentam trajetórias firmes de crescimento. Para 2023, a projeção para o setor de serviços teve ligeira alta, de 0,9% para 1%.
Na indústria, a projeção passou de estabilidade para alta de 0,3%, com piora na estimativa para a construção e melhora para as demais atividades. No caso da indústria extrativa, o BC estima alta de 2,3% no segmento, ante projeção de 1,5% no relatório anterior, diante de “prognósticos favoráveis para a produção de petróleo”.
“Em relação à trajetória trimestral esperada, preveem-se variações modestas ao longo do ano para indústria, serviços e consumo doméstico. A agropecuária, contudo, deve apresentar dinâmica distinta, com crescimento expressivo no primeiro trimestre, decorrente principalmente da expectativa de elevado aumento da produção de soja. Este comportamento esperado para a agropecuária deverá contribuir para a alta do PIB no primeiro trimestre e para desaceleração no trimestre seguinte”, diz o relatório.
A projeção de crescimento da agropecuária foi mantida em 7%, após recuo de 1,7% em 2022, repercutindo prognósticos favoráveis para culturas, com elevada participação no setor, como café, milho e soja.
Com relação aos componentes domésticos da demanda, houve revisões de magnitude moderada nas projeções: alta no consumo das famílias, de 1,2% para 1,5%, e reduções para a formação bruta de capital fixo (investimentos)das empresas, de 0,3% para zero e para o consumo do governo, de 1,1% para 0,7%. As exportações e as importações de bens e serviços, em 2023, devem variar, na ordem, 2,4% e queda de 0,5%, ante projeções respectivas de 2,8% e 0,7% no Relatório de Inflação anterior.
“O aumento da projeção do consumo privado também deriva de prognóstico ligeiramente mais favorável para a renda disponível das famílias, decorrente da evolução do rendimento médio do trabalho no segundo semestre de 2022, melhor que a esperada, e da nova alta do valor do salário-mínimo, que afeta rendimentos do trabalho e benefícios assistenciais e previdenciários”, diz o BC.
Segundo o documento, a projeção continua refletindo um cenário prospectivo de desaceleração da atividade econômica neste ano, em comparação ao observado nos dois anos anteriores. “Tal desaceleração é influenciada pela diminuição do ritmo de crescimento global e pelos impactos cumulativos da política monetária doméstica [alta da taxa básica de juros]”, explicou o BC.
A taxa continua no maior nível desde janeiro de 2017, quando também estava em 13,75% ao ano. Na reunião deste mês, foi a quinta vez seguida em que o BC não mexeu na taxa, que permanece nesse nível desde agosto do ano passado. Anteriormente, o Copom tinha elevado a Selic por 12 vezes consecutivas, num ciclo que começou em meio à alta dos preços de alimentos, de energia e de combustíveis.
A Selic é o principal instrumento usado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC para alcançar a meta de inflação porque a taxa causa reflexos nos preços, já que juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança, evitando a demanda aquecida.
De acordo com o Relatório de Inflação, uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária é um risco negativo para a atividade econômica. Segundo o BC, em estatísticas divulgadas ontem (29), a manutenção dos juros em alta, resultado do aperto monetário, e a própria desaceleração da economia a partir do segundo semestre do ano passado, contribuíram para a desaceleração do crédito bancário. Só mês passado, as concessões de crédito caíram 10,5% para as pessoas físicas e 8,1% para empresas.
“Os dados disponíveis até o momento sugerem que o processo de desaceleração do crédito às empresas, que ocorre sob influência dos impactos cumulativos da política monetária, foi afetado em magnitude limitada por eventos específicos relacionados a empresas de grande porte”, diz o relatório.
Adicionalmente, o BC cita a “incerteza em relação à trajetória da política fiscal”. Nesta quinta-feira, o Ministério da Fazenda apresenta o novo arcabouço, que substituirá o teto de gastos, aprovado em 2016. “A proposta de um novo arcabouço fiscal deve trazer maior clareza sobre a sustentabilidade da dívida pública, com repercussões sobre expectativas de inflação, prêmios de risco e, indiretamente, sobre a atividade econômica”, destacou o documento.
Em ata do Copom, divulgada essa semana, o BC reforçou que “um arcabouço fiscal sólido e crível” pode ajudar no processo de desinflação.
Segundo o BC, a inflação, calculada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve encerrar 2023 em 5,8%, no cenário com taxa básica de juros em 12,75% ao ano e câmbio em R$ 5,25. No relatório anterior, em dezembro, a projeção era 5%.
O órgão também projeta que a inflação deve ser de 3,6% em 2024 e de 3,2% em 2025. Nessa trajetória, a taxa Selic chega ao final de 2024 e 2025 em 10% e 9% ao ano, respectivamente.
O relatório destaca que a chance de a inflação oficial superar o teto da meta em 2023 subiu de 57% no relatório de dezembro para 83% agora em março.
A meta para 2023, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3,25% de inflação, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é 1,75% e o superior 4,75%. Para 2024 e 2025, o CMN estabeleceu meta de 3% para o IPCA, nos dois anos, também com 1,5 ponto percentual de tolerância.
Segundo o relatório, a inflação acumulada em 12 meses continuou recuando desde o relatório anterior. Contudo, a inflação ao consumidor aumentou 0,42 ponto percentual no trimestre encerrado em fevereiro, seguindo “acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação”.
Por isso, o Copom não descarta a possibilidade de subir a Selic novamente, caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.
Fonte: Agência Brasil